Fonte: Procel Info
Por: Tiago Reis
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Nos últimos anos tivemos índices pluviométricos bem abaixo da média histórica. As chuvas de 2015 ainda não foram suficientes para recuperar os níveis dos reservatórios e garantir tranquilidade aos planejadores do setor elétrico. Neste cenário, temas como fontes alternativas, eficiência energética e a criação de uma nova matriz energética que seja menos dependente das chuvas ganham destaque.
Em entrevista ao Procel Info, o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, faz uma avaliação do setor elétrico brasileiro. Para ele, o atual momento exige atenção, já que o nível dos reservatórios continua baixo, na faixa dos 34%.
Sales também defende a utilização em maior escala das chamadas fontes alternativas de energia, como a solar, eólica, biomassa e geração distribuída, bem como a energia nuclear. O especialista ressalta que a eficiência energética deve ser sempre prioridade em todas as políticas públicas para que essas ações sejam implementadas de forma acelerada envolvendo todos os segmentos da sociedade.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Procel Info – É fato que neste ano não choveu o volume esperado e os níveis dos reservatórios continuam baixos. Para 2015, o fornecimento de energia está garantido. Qual a sua avaliação sobre o atual cenário do sistema energético brasileiro? Ainda corremos algum risco se a chuva do próximo verão não for suficiente?
Cláudio Sales – Estamos ainda no período de seca e somente a partir de novembro é que se espera que os reservatórios voltem a começar a subir. Nós estamos, nessa época, com reservatórios na região Sul/Sudeste – que é responsável por mais de 70% do armazenamento de água – numa faixa semelhante ao que foi registrado no ano passado. O Operador Nacional do Sistema analisa isso com frequência, quase que diária, e ele mesmo aponta que devemos chegar a novembro com a capacidade média de armazenamento entre 10 e 20% do total. Essa faixa é muito baixa, semelhante a que tivemos em 2014. Ou seja, nos deixa com forte dependência das chuvas no verão de 2016. Chuvas que nós não temos como prever com segurança. Agora, o dado relevante para essa análise é que essa situação está acontecendo num cenário em que nós tivemos uma redução no consumo de energia em comparação com o ano anterior. Ou seja, o consumo de energia elétrica, que sempre cresce de ano para ano por conta do desenvolvimento econômico, em 2015 deparou-se com um ritmo fraco da economia, o que impactou na redução da demanda por energia.
Procel Info – Então, na sua opinião, ainda existe risco de desabastecimento de energia para 2016?
Cláudio Sales – O cenário não é dos melhores. Mesmo sem a pressão da demanda, o sistema está usando toda a sua musculatura para enfrentar o problema. Ou seja, todas as nossas usinas termelétricas, ou muito perto disso, estão acionadas. Isso nos deixa numa situação em que vamos chegar no final do ano com vários cenários incertos, entre eles, o de reservatórios em níveis muito baixos e sem pressão de demanda de energia. Isso tudo, no ponto de vista do abastecimento, é uma situação totalmente desconfortável.
Procel Info – Na sua opinião, no curto prazo, existem medidas que podem ser tomadas para equilibrar o sistema elétrico brasileiro?
Cláudio Sales – No setor elétrico, curto prazo é o tempo necessário para construir uma usina sem atrasos. Isso é mais de ano. Curtíssimo prazo é uma solução emergencial que se consiga implementar em um prazo menor do que o tempo de construção de uma usina. A situação que nós estamos hoje é que todas as eventuais soluções de curtíssimo prazo estão sendo perseguidas pelo governo. O que é ruim neste caso é que essas soluções estão sendo procuradas de forma independente e não integradas. Agora, a solução para isso é uma palavra que tem um significado muito amplo diante da situação em que nós estamos.
Procel Info – Os programas de eficiência energética ganham maior destaque em períodos de crise energética. Na sua opinião, o que deve ser feito para que essas medidas entrem de fato no cotidiano da sociedade?
Cláudio Sales – Eficiência energética deve ser um objetivo presente em todas as políticas econômicas. Mas para que ela produza resultados robustos é preciso que hajam sinais econômicos claros em relação ao custo da energia, para que o consumidor possa perceber os ganhos que ele eventualmente tenha pelo aumento de sua eficiência no consumo da energia. Sinais econômicos claros e regras claras, previsíveis, para que os consumidores também possam se planejar com visão de longo prazo. O ideal seria conseguir realizar um investimento e calcular com precisão o tempo de sua amortização pelos ganhos de eficiência energética, algo difícil atualmente. Programas de eficiência energética muito ancorados em sistemas de subsídios específicos, no meu ponto de vista, tem vida curta. O Brasil já possui, há muito tempo, um grande programa de eficiência energética e conseguiu resultados importantes com ele. Agora, não há dúvida, de que na medida que haja mais previsibilidade em relação às questões de energia, em especial no custo efetivo que é pago pelo consumidor, é de se esperar que programas de eficiência energética, que impliquem em investimentos do consumidor, ganhem um ritmo mais acelerado do que temos atualmente e abranjam uma maior parte da sociedade.
Procel Info – O que o senhor tem a dizer sobre as energias alternativas, que muitos consideram como a salvação do setor elétrico brasileiro. Até que ponto elas são, de fato, viáveis?
Cláudio Sales – Primeiro, não existe isso que energia A, B ou C é a salvação de alguma coisa. Essa história não procede. Por outro lado, o Brasil, em comparação com outros países, está em grande vantagem. Nosso país possui uma multiplicidade de fontes energéticas que podem ser exploradas com eficiência econômica. A primeira delas é a hidrelétrica, como a história mostra, pois temos um parque hidrelétrico fantástico e que é atualmente responsável pela maior parte do abastecimento de energia elétrica do Brasil. Nós temos também um potencial de geração eólica que vem sendo desenvolvido – há dez anos era praticamente zero sua oferta e agora estamos caminhando para uma participação de 10% em nossa matriz. Então, a eólica está provando ser economicamente viável. Outra opção é a biomassa, principalmente aquela utilizada na cogeração de usinas proveniende do bagaço de cana de açúcar, que tem um potencial muito grande. A geração solar ainda está muito incipiente aqui no Brasil. Eu já ouvi muitas pessoas dizendo que esperam que aconteça com a geração solar um fenômeno semelhante ao que aconteceu com a geração eólica. Talvez um movimento já esteja acontecendo. O potencial é muito grande. Também temos a geração distribuída, principalmente pelos painéis fotovoltaicos, que também encontra-se incipiente aqui no Brasil, mas que pode ter um crescimento muito acelerado nos próximos anos. Isso depende fortemente da regulação, dos sinais econômicos e do preço da energia muito claros. Para o cidadão tomar a decisão de colocar no telhado um painel fotovoltaico para economizar na conta de energia, tem que fazer muita conta para ver em quanto tempo se paga o investimento. Esse valor ainda não está tão favorável e por isso que essa forma de geração ainda não foi tão disseminada nas residências. É um cenário para ser examinado e a possibilidade, é que num futuro não muito distante, essa barreira financeira melhore e aí, potencialmente, a geração distribuída ganhe algum crescimento.
Procel Info – E a energia nuclear?
Cláudio Sales – Eu acredito que o Brasil terá que considerar a geração nuclear como uma das fontes com as quais vai contar para o seu futuro. E eu lhe dou um dado adicional para esta análise. O nosso potencial hidrelétrico, ou seja, usinas ainda por construir estará esgotado até 2030, então cabe a pergunta: com que tipo de energia nós vamos contar a partir de então? Não há dúvida nenhuma que deve ser considerada a energia nuclear. Então, se essa minha afirmação for verdadeira, de que a energia nuclear terá que ser considerada no momento em que, pelo menos o nosso potencial hidrelétrico estará se esgotando, é importantíssimo que a sociedade se mobilize para criar condições para que quando chegarmos lá a gente possa fazer as usinas. Estou me referindo ao fato de hoje, na constituição brasileira, existir um monopólio absoluto da União para o tratamento de toda e qualquer questão ligada à energia nuclear, especificamente, em termos de usinas para geração de eletricidade. 100% de todo o ciclo tem que ser de controle estatal, ora, a União não tem recursos para bancar isso. Em segundo lugar, o poder público apresenta sérios problemas em entregar obras dentro do prazo, fato que as empresas privadas, que atuam no ambiente competitivo, conseguem amenizar. Logo, é importante que desde agora se discuta a possibilidade de mudar a constituição brasileira para que se permita a participação privada em usinas nucleares, mas da seguinte maneira: preservando para a União todo o ciclo nuclear, ou seja, o tratamento nuclear do processo. Para a iniciativa privada deixa-se o ciclo termodinâmico. Uma usina nuclear é uma usina termelétrica como tantas outras, o diferencial é apenas que o energético utilizado para produzir o vapor que vai acionar as turbinas é de uma fonte nuclear. Então, esta parte fica com a União e a usina, propriamente dita, construção e operação, poderia ser licitada privadamente para que houvesse competição e os vencedores do processo pudessem concluir, operar e comercializar essa energia. Mas, para que isso aconteça, tem que modificar a Constituição, que é uma discussão demorada, pois passa pelo Congresso. Ao meu ver ela teria que ser intensificada a partir de agora, se é que lá na frente a gente quer ter condições de fazer usinas nucleares.
Claudio Sales é presidente do Instituto Acende Brasil desde 2003, atua no setor elétrico há mais de 20 anos. Foi presidente da Mirant do Brasil, da Southern Electric do Brasil, foi Sócio-Diretor da Termoconsult e membro do Conselho de Administração de empresas como Cemig, Energisa e Energipe. Tem dezenas de artigos publicados em veículos como Folha de S. Paulo, Valor Econômico, O Estado de S. Paulo, DCI, Correio Braziliense e O Globo. Claudio é engenheiro mecânico e industrial pela PUC-RJ e frequenta o President´s Management Program da Harvard University
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