Fonte: Folha de S. Paulo Online
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O saudoso jornalista Odon Pereira, ex-secretario de redacao nesta Folha e duas vezes vereador em Sao Paulo, ja falecido, ha quase duas decadas comentava: “se uma obra e considerada essencial, ninguem verifica quanto o governo paga por ela”. E prosseguia, com picardia: “se alguem se propuser a fechar a camada de ozonio, sustentara varios dos proximos governantes.”
Muitos anos depois dessa profecia, a impressao de que as obras publicas sempre abrigam grandes margens de precos e de que elas continuam a bancar projetos politicos e de poder continua a mesma.
O avanco dos mecanismos sociais de controle e o melhor acesso a documentos e referencias por parte da imprensa sugerem, porem, um olhar mais cuidadoso sobre os precos das obras de infraestrutura.
O fato e que ainda ha falhas nos processos tecnicos de estruturacao de precos para as concorrencias publicas que abrem brechas a corrupcao.
A imprecisao nos levantamentos de custos e tamanha que na ansia de buscarem margens suficientes para evitar qualquer insolvencia, as empresas admitem que seus clientes incorporem “remuneracoes extraordinarias” que oneram os empreendimentos, enganam a sociedade e nada tem a ver com as obras a serem executadas.
Contribui para essa inseguranca a perda coletiva da consciencia tecnica de que uma obra de construcao depende de um projeto detalhado para ser orcada. E que ha variaveis de custo que vao alem do objeto a ser construido, como os vinculados as dificuldade na preparacao do canteiro, remocao de interferencias, desapropriacoes e muito mais.
A tradicao tecnica dos orcamentistas brasileiros tambem promove inconsistencias com a realidade. Em geral considera-se que o preco de uma obra e resultado da soma dos custos dos varios servicos necessarios a sua execucao, funcao de seus precos unitarios basicos (materiais e mao de obra) multiplicados pelos quantitativos daquele projeto.
Tais composicoes de custo, inclusive aquelas que estao sendo neste momento modernizadas pela Caixa Economica na revisao do Sinapi (Sistema Nacional de Precos e Indices), simplesmente desconsideram questoes que impactam diretamente o preco final dos servicos. Por exemplo o numero de dias uteis dos meses, paralisacoes por razoes climaticas, indisponibilidade de equipamentos ou mao de obra, entre outros.
Poucos profissionais tem consciencia ou aplicam essas influencias na apuracao e acompanhamento dos custos. Em alguns casos, a simples mudanca dos prazos de execucao ou ate da epoca do ano em que sao realizados os servicos, acarreta acrescimos (ou reducoes) de milhoes de reais que simplesmente nao sao considerados nos orcamentos.
Mesmo que fossem superadas as deformacoes dos processos de contratacoes das obras publicas, empreiteiros e prestadores de servicos de construcao precisam melhorar, e muito, a sua capacidade de prever seus verdadeiros custos nas obras.
Elaborar orcamentos sem um projeto executivo e sem desenhar um plano de ataque das obras, distribuindo no tempo os servicos a serem executados e as providencias administrativas e contratuais, e uma temeridade que nenhum tecnico ou empresa de Engenharia deveria aceitar.
Se isso nao mudar, o setor da construcao continuara encabecando a lista das desconfiancas publicas sobre a sua propria idoneidade. Impactando, como vemos agora, o futuro das necessarias obras da infraestrutura nacional.
RUBENS DE ALMEIDA, 55, e engenheiro e jornalista
MARIO SERGIO PINI, 63, e arquiteto e especialistas em indices e custos de construcao