Fonte: Valor Online
Por: Monica Gugliano
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Castro Neves: falta de regras é mais prejudicial do que instabilidades na bolsa de Xangai
A incapacidade dos governantes brasileiros para estabelecer regras claras que atraiam investidores chineses é muito mais prejudicial à economia do país do que as incertezas e instabilidades na bolsa de Xangai. Embora seja evidente que qualquer tropeço do gigante asiático gera turbulência e traz riscos à economia mundial, o governo brasileiro deveria enxergar oportunidades e trabalhar para aproveitá-las. Essa é a opinião do embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China.
“No Brasil não há certeza de nada. Uma regra que hoje é assim, amanhã não é mais. Onde está o marco regulatório? As finanças públicas são um caos, o país está endividado, o Estado não tem capacidade de investir. Qualquer acordo requer que seja feito o dever de casa. Os chineses fazem o deles. E o nosso, onde está?”
A segunda maior economia do mundo, depois dos Estados Unidos, vive o fim de um ciclo de crescimento movido pelas exportações e procura um novo equilíbrio, com expansão do mercado interno. Embaixador do Brasil em Pequim de 2004 a 2008, Castro Neves analisa, nesta entrevista ao Valor, as possíveis consequências da instabilidade econômica chinesa neste início de 2016.
Valor: Como o senhor avalia o cenário da economia chinesa?
Luiz Augusto de Castro Neves: Em 2003, a China já analisava a necessidade de mudar o perfil muito centrado nas exportações, voltando-se ao mercado interno. É claro que ninguém tinha uma bola de cristal capaz de adivinhar a crise de 2008, que atingiu os Estados Unidos e contaminou o mundo. Mas era evidente, para as autoridades chinesas, que o crescimento do mercado interno forçaria essa mudança. No final da década passada, a esse quadro se somou a retração da economia mundial. Sentimos, agora, esse ajuste nos mercados que eles estão promovendo.
Valor: De certa maneira, o Brasil já não vinha sofrendo com essa mudança na política econômica chinesa, que aqui se refletiu com o fim do ciclo das commodities, decisivo para o crescimento dos últimos anos?
Castro Neves: Sim, a economia brasileira já acusou esse golpe. Mas é preciso assinalar que mudanças no perfil de algumas das características da política econômica chinesa não serão suficientes para causar prejuízo decisivo às relações entre os países. Ainda que com taxas menores, não há economia no mundo que cresça como a da China. Portanto, a capacidade e o interesse de a China investir no Brasil não diminuirão.
Valor: O senhor se refere aos 35 acordos do Plano de ação Conjunta 2015-2021 assinados em Brasília, no ano passado, quando o primeiro-ministro Li Kequiang esteve no Brasil?
Castro Neves: Esses acordos precisam ser impulsionados. Mas a verdade é que a incapacidade dos governantes brasileiros para estabelecer regras claras que atraiam investidores chineses é muito mais prejudicial à economia do Brasil do que a instabilidade na China. No Brasil não há certeza de nada. Uma regra que hoje é assim, amanhã não é mais. Onde está o marco regulatório? As finanças públicas são um caos, o país está endividado, o Estado não tem capacidade de investir. Qualquer acordo requer que seja feito o dever de casa. Os chineses fazem o deles. E o nosso, onde está?
Valor: Percebe-se que a China tem aumentado gradualmente o consumo interno. Qual a capacidade de o Brasil atender a demanda desse gigantesco mercado?
Castro Neves: Temos um superávit comercial com os chineses. Mas devemos estimular, por exemplo, a exportação de alimentos. A China é um país com um território imenso, mas com áreas muito secas, poucas terras aráveis. Tem também uma imensa população deixando o campo, em busca de melhores condições de vida nas cidades. Infelizmente, continuamos sendo uma economia periférica e sem abertura para o mercado global. Isso, em parte, se deve à cultura de nosso empresariado, nossa indústria. Eles gostam é de ser protegidos. Diante de qualquer ameaça, não pensam em investir para melhorar a qualidade daquilo que produzem e terem competitividade. Querem continuar fazendo produtos ruins e caros.
Valor: O Brasil tem também grandes deficiências na infraestrutura. A crise que está prejudicando a capacidade de investir nesse setor não levanta obstáculos a essas exportações?
Castro Neves: Mais uma vez, voltando ao exemplo dos alimentos, é claro que prejudica. Sabemos plantar e colher muito bem. Nossas estruturas são modernas. Em compensação, continuamos, ano após ano, perdendo muito entre o que produzimos e o que conseguimos exportar. Nossas estradas estão destruídas, nossos portos têm sérios problemas.
Valor: Voltando à economia da China, a Bolsa de Xangai tem operado com quedas sucessivas. Como o senhor imagina os desdobramentos dessa situação no curto prazo?
Castro Neves: Gosto de insistir que, para prever, é preciso bola de cristal e eu não tenho. Mas é possível constatar que estamos vendo o fim de um ciclo econômico na China. De um modelo que se caracterizou pela poupança e o pouco consumo interno. Isso foi possível em outros momentos, quando a economia mundial vivia também um ciclo de crescimento. Os chineses, agora, precisam atender o imenso mercado interno em um cenário de crescimento menor daquele registrado na década passada.
Valor: É esse desafio que gera esse cenário de incerteza?
Castro Neves: Em parte, é. Nesse modelo, os chineses têm que manter o bom funcionamento dos mercados para não sofrer as consequências já conhecidas, como a fuga de capitais. Essa transição que está acontecendo em nosso maior parceiro comercial deve ser acompanhada com muita atenção por aqui.